A Origem da Feira de Lanheses na sua então Vila

por Lourenço d´Almada
em Lanheses a Preto e Branco,
edição da Junta de Freguesia de Lanheses.2012



Desagradável e aborrecida esta história!
Estes lanhesences estão cada vez mais fortes!
Não bastava terem transformado Lanheses de aldeia em vila (Vila Nova de Lanhezes), para proveito próprio, como agora alargaram o seu concelho e arrastaram para si a feira, que tende a ser grandiosa, pelos bons acessos que tem e por terem conseguido para ela o estatuto de mercado franco.
E foi à «espadeirada e à coronhada» que se afirmaram nas redondezas, agora que têm para si a polícia e juiz – cadeia, pelourinho e câmara.
Estes Ricaldes Abreu Pereira, senhores dessa terra e com solar no Paço de Lanheses, ganharam tal poder em Lisboa que ninguém os consegue parar e demover!


Era impossível não ser este o tema de conversa de toda a região afetada, que ia desde Ponte de Lima a Viana e de Barcelos a Valença mas principalmente a zona de Caminha, após os acontecimentos de 1796. Altura em que um fidalgo, do referido Paço, sai a cavalo com os seus homens e expulsa de vez, à força e sob a proteção da lei, os feirantes da frente da Casa da Ferreira, em Meixedo, obrigando-os só pararem, no que se chamou durante muito tempo Largo da Feira[1], em frente à sua grande casa.

Aí, aos sábados de 15 em 15 dias, lá continuou até hoje, trazendo toda a riqueza económica e movimento de cores que só visto.

Por mais de duas centenas de anos... juntas de bois carregadas, mulheres de cestos na cabeça, peregrinos e mendigos, cheiros dos fumados e ervas especiais, ferragens e ferramentas, telhas e toda uma olaria, flores, galinhas a carcarejarem, os ovos frescos, os porcos, coelhos, cabritos, as chitas, mantas e tecidos vários, solta-se uma corda de uma tenda, que debate ao vento, cascos de garranos a baterem no chão, a tabernas apinhadas, o burburinho de recente luta, que tinha sido ao pau, uma concertina que toca, as crianças na brincadeira e a chorar, as moedas a caírem dos bolsos, o piscar de olhos matreiros, alguém cora e sorri, ... as trocas mais  que muitas... a alegria, uma vida que não esmorece.

Tudo tinha começado no final do séc. XVIII em que o país atravessava grandes mudanças e quando a chamada “época pombalina” teve o auge, trazendo grande benefícios para a Civilização. Mas, seu Humanismo aqui, com o Marquês de Pombal à cabeça, tinha obrigado o Povo a grandes sacrifícios e ausência de antigas liberdades, alicerçadas na Tradição, agora que mais do que nunca a Sociedade tinha passado a ser dirigida por uma orientação política bem definida e a isto impunha. Entretanto é, nessa altura, que o rei D. José que o protegia morre. Tal como em todas as monarquias as atenções voltam-se então para saber quem vai tomar o seu lugar e, neste caso, era complicado pois não tinha deixado filho homem e estávamos, há muito, sob um regime de lei sálica que obrigava a procura-lo[2]. É então que todos se viram aquele que era considerado o melhor jurisconsulto do seu tempo, o lanhesense frei doutor José Ricalde de Pereira e Castro[3], deputado do Conselho do Santo Ofício e desembargador do Paço Real, para advogar a favor da infanta, filha do monarca. Ele não só o consegue de uma forma brilhante como apresenta magnífico discurso de  "Levantamento ao Trono", em meados de 1777[4], que convence a côrte a entregar, em paz, a governação de Portugal pela primeira vez a uma rainha, em pleno. Isso agradou a todos exceto os partidários de Pombal, que a tal se opunham, que formaram um movimento chamando aos seus oponentes de “Reviralho”, pela reviravolta que fez cair o ex: primeiro-ministro e suas ideias, quando os seus líderes apoiavam-no aparentemente em tudo antes da morte do pai de D. Maria I.
Será então, nessa conformidade, que novas leis surgem e nas quais o então nosso reino é submetido a nova organização e da qual, como sinal de agradecimento, nunca foi esquecida a perícia e vontade do «filho de Lanheses», que era um dos poucos conselheiros que acompanhavam de perto a ação governativa de então, exercendo função de assessoria política[5].


[1] Subsídios para uma Monografia de Lanheses, A Criação da Feira em Lanheses e a Extinção da que se fazia em Meixedo, Gabriel A. M. Gonçalves, Cap. XIV.

[2]A lei sálica, como regra vinda de França no final do séc. XIV, impunha a exclusão feminina na sucessão do trono. Assim como determinava que nenhuma mulher poderia herdar propriedades imóveis e que todas as terras deveriam ser transmitidas aos membros masculinos da sua família.

[3] Era filho natural do coronel José Pereira de Brito e Castro e irmão de Francisco de Abreu Pereira, ambos senhores do Paço de Lanheses. – Felgueiras Gayo, vol. II, pg. 271  (Barbosas).

[4] Auto do Levantamento, e Juramento que os Grandes, [..], e mais Pessoas, que se acharam presentes, fizeram à Muito Alta, Muito Poderosa Rainha Fidelíssima a Senhora D. Maria I, [..], sendo Exaltada, e Coroada sobre o Régio Throno [..] dia Treze de Maio. Anno de 1777 - Lisboa, Na Regia Officina Typografica, 1780, págs. 59-75.

[5] Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Lisboa, Editorial Verbo, 1982, vol. VI, p. 339

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